Dividir o ônus de saldos devedores impagáveis…
Dividir o ônus de saldos devedores impagáveis, reduzir as despesas com cartórios, entre outras, incentivar a participação de bancos privados no financiamento da habitação. O Governo está para anunciar uma série de medidas, algumas consideradas tabus até aqui, para desatar os nós do Sistema Nacional de Habitação. Afinal, há muito tempo, acumulam-se problemas para mutuários, construtores e o Tesouro Nacional, como saldos devedores gigantescos, rom-bos de caixa, ações judiciais que se acumulam e fontes de financiamento insuficientes.
Na primeira quinzena de março, o grupo formado por Banco Central, Caixa Econômica Federal e Ministério da Fazenda, coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, estará divulgando mudanças para o sistema.
– Queremos que no Brasil haja a mesma disputa das instituiçôes pelo mutuário, como há nos Estados Unidos. Precisamos criar mecanismos que tornem o setor atraente para os bancos – diz o secretário de Desenvolvimento Urbano, Ovídio de Angelis, que já tem reunião agendada com os bancos Bilbao Vizcaya e Santander, com a meta de aumentar a participação estrangeira no setor.
Saldos representam até o dobro do valor de imóveis
Um dos principais problemas do sistema está nos 177 mil contratos sem cobertura do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS): as prestações não são capazes de amortizar o saldo devedor, deixando para o mutuário um resíduo que ele não consegue pagar. Fontes do Governo dizem que uma das propostas em estudo prevê a divisão desse resíduo entre União, mutuários e bancos.
Segundo o superintendente nacional de crédito imobiliário da CEF, Renato Nardone, esse resíduo pode representar até o dobro do valor do imóvel no mercado:
– A proposta é avaliar o imóvel, aplicar sobre ele a percentagem original financiada, obtendo uma nova base de cálculo para financiamento. Esse valor poderia ser pago até o fim do contrato ou refinanciado por 15 anos. Isso pode representar um desconto de até 50% do saldo devedor.
– O mutuário Marcelo Coutinho não pode esperar as mudanças e recorreu à Justiça. Ele obteve, em primeira instância, redução no valor das prestações e do saldo devedor, que passaram a ser corrigidos pelo INPC e não pela TR. A sentença prevê ainda a restituição pela CEF dos valores cobrados indevidamente: – Só quero um contrato compatível com o valor do imóvel.
TRADUZINDO O ECONOMÊS
Um desequilíbrio que começou há 20 anos
O desequilíbrio do Sistema Nacional de Habitação começou no início da década de 80, quando a inflação saltou de menos de 50% para mais de 200% ao ano, e os salários passaram a não acompanhar mais o reajuste das prestações. A inadimplência fez com que fossem feitas renegociações, mas as prestações não amortizavam mais, como deveriam, o saldo devedor. O Governo lançou mão, então, do FCVS, tornando responsabilidade do Tesouro a liquidação do resíduo dos financiamentos. Em 84, foi criado o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional o que ampliou as distorções, pois nesse caso as prestações são reajustadas pelo salário e o saldo, pela poupança. Depois disso, houve novos desencontros entre os índices que corrigiam salários, prestações e saldo devedor, por conta de programas econômicos, conversões de moeda e políticas salariais restritivas.
Saiba quais são as saídas possíveis:
PRESTAÇÃO X SALDO DEVEDOR
. EM XEQUE: Contratos sem cobertura do Fundo de Compensação das Variações Salariais, em que prestações não são suficientes para amortizar saldo devedor. Is-so faz com que haja saldos que correspondem ao dobro do valor do imóvel.
. A SAÍDA: Uma das soluções em estudo pelo Governo é avaliar o valor do imóvel e sobre ele aplicar a percentagem que foi financiada originalmente. O resultado seria base para um novo financiamento: o mutuário pagaria no prazo original ou refinanciaria por 15 anos. Isso equivaleria a desconto médio de 50% do saldo atual.
TAXAS E TRIBUTOS
. EM XEQUE: Certidões, escrituras, re-gistros, impostos, taxas de habite-se, entre outras, podem representar até 5% do valor do imóvel.
. A SAÍDA: Banco Central, CEF e Ministério da Fazenda, coordenados pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência, estudam redução dos custos e escalonamento por faixa de renda.
JUROS
. EM XEQUE: A taxa de juros elevada impede o desenvolvimento do mercado secundário de hipoteca, base para funcionamento do Sistema de Financia-mento Imobiliário (SFI).
. A SAÍDA: A queda dos juros depende fundamentalmente da estabilidade econômica. Só assim os papéis se tornarão atrativos e uma fonte de recursos.
FCVS
. EM XEQUE: A cobertura pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais dos resíduos representa um rombo de mais de R$ 50 bilhões para o Tesouro.
. A SAÍDA: O Governo oferece incentivos à quitação e estuda formas de dividir os prejuízos.
Fonte: Jornal O Globo
Data:20/02/2000