“… Isto posto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da Caixa Econômica Federal e DOU PROVIMENTO ao recurso de M. G. A. M. e cônjuge, para determinar o recálculo das prestações, compreendendo a taxa de seguros, com observância da variação salarial do mutuário, bem como a amortização da dívida antes do seu reajustamento, deduzindo-se do saldo devedor eventual quantia remanescente com os valores pagos a maior, corrigidos monetariamente …”
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO REGUEIRA
APELANTE : M. G. A. M. E CONJUGE
ADVOGADO : ACCACIO MONTEIRO BARROZO E OUTROS
APELANTE : CAIXA ECONOMICA FEDERAL – CEF
APELADO : OS MESMOS
ORIGEM : SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200151010164100)
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas contra sentença proferida pelo Juízo da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar a ré a limitar o percentual de comprometimento de renda, nos moldes inicialmente pactuados, substituir a TR pelo INPC como índice de atualização do saldo devedor após fevereiro de 1991 e restituir aos autores indébitos eventualmente apurados.
Em suas razões, sustenta a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (fls. 369/383), em síntese, a legalidade da utilização da Taxa Referencial como índice de correção do saldo devedor e a não previsão contratual de qualquer limitação dos encargos mensais em relação à renda familiar.
M. G. A. M. E CÔNJUGE, por sua vez, alegam (fls. 387/396) preliminarmente o cerceamento de defesa, em razão da indispensabilidade da produção de prova pericial. No mérito, aduzem a necessidade de atualização do saldo devedor após a sua amortização, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de financiamento, a inadequação do valor do prêmio do seguro com o critério adotado para o reajuste das prestações e a inobservância do Plano de Equivalência Salarial.
Contra-razões apresentadas pela empresa pública (fls. 400/413) e pela parte autora (fls. 416/424), pugnando pelo improvimento dos respectivos recursos.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 428/429) aduzindo a desnecessidade de intervenção do parquet na presente hipótese.
É o relatório.
VOTO
A questão suscitada nos autos diz respeito ao pedido de revisão das prestações e saldo devedor relativos a contrato de financiamento firmado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação.
Inicialmente, é de se considerar que a matéria em comento é exclusivamente de direito. Desse modo, sendo desnecessária a produção de prova pericial, visto que os cálculos porventura necessários poderão ser efetuados na fase de liquidação, resta, portanto, afastada a preliminar de cerceamento de defesa.
Em razão de previsão expressa na lei consumerista, é possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo habitacional. Além de retratarem verdadeira relação de consumo, enquadram-se no conceito de “contratos de adesão”, depreendendo-se, assim, ser cabível a revisão, e conseqüente nulidade, das cláusulas consideradas abusivas.
No tocante à correção do saldo devedor, tem-se que a Taxa Referencial – TR, tal como previsto no art. 1º, da Lei nº 8.177/91, constitui indexador para o mercado financeiro de títulos e valores mobiliários, entendimento este, inclusive, já esposado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento das ADI’s nº 493, 768 e 959.
Assim sendo, andou bem o julgador ao determinar a sua substituição pelo INPC, visto que este índice é o legalmente previsto para aferir as variações no poder aquisitivo do padrão monetário nacional.
O art. 6º, c, da Lei nº 4.380/64, dispõe claramente que a amortização da dívida deverá ser feita antes da efetivação do seu reajustamento. Em que pese a alegação de que este regramento restou alterado pela Resolução nº 1.980, de 30/04/1993, do Banco Central do Brasil, faz-se imperioso ressaltar que o referido ato normativo não é lei.
Assim sendo, não havendo no ordenamento jurídico pátrio qualquer norma apta a revogar o regramento da Lei nº 4.380/64, em obediência ao art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, tem-se que o referido dispositivo continua válido e, portanto, deve ser aplicado.
No que tange o valor das prestações mensais, prevendo o contrato a equivalência salarial, e sendo necessária a observância da proporção prestação/renda a fim de manter o equilíbrio contratual, faz-se necessário o respeito ao comprometimento de renda inicialmente pactuado, tal como se depreende da razão entre o valor da parcela inicial e o salário percebido pelo mutuário à época.
Com relação ao valor do seguro, o mesmo encontra-se previsto como obrigatório no art. 14, da Lei nº 4.380/64 e, mais recentemente, no art. 2º, da Lei nº 8.692/93.
A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP é o órgão responsável pela normatização da fixação dos limites das taxas de seguros e de suas condições gerais, devendo as mesmas estarem previstas, de forma especificada, nos contratos.
No entanto, estando expressamente acordada a observância do Plano de Equivalência Salarial, bem como a previsão da abrangência da referida taxa pelo encargo mensal, faz-se necessário que seu valor, ainda que submetido aos critérios de reajuste da mencionada superintendência, fique limitado à variação salarial.
Isto posto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da Caixa Econômica Federal e DOU PROVIMENTO ao recurso de M. G. A. M. e cônjuge, para determinar o recálculo das prestações, compreendendo a taxa de seguros, com observância da variação salarial do mutuário, bem como a amortização da dívida antes do seu reajustamento, deduzindo-se do saldo devedor eventual quantia remanescente com os valores pagos a maior, corrigidos monetariamente.
Condeno a empresa pública ao ressarcimento das custas pagas pela parte autora e ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.
É como voto.
EMENTA
SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CDC. APLICABILIDADE. SALDO DEVEDOR. CORREÇÃO. INPC. AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA ANTES DA ATUALIZAÇÃO. PES/CP. COMPROMETIMENTO DE RENDA. OBSERVÂNCIA DO PACTUADO. SEGURO. REAJUSTE PELA VARIAÇÃO SALARIAL.
1. – Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar a ré a limitar o percentual de comprometimento de renda, nos moldes inicialmente pactuados, substituir a TR pelo INPC na atualização do saldo devedor após fevereiro/1991 e restituir aos autores indébitos eventualmente apurados.
2. – Aos contratos de mútuo habitacional, é aplicável o CDC, sendo possível a revisão, e conseqüente nulidade, das cláusulas consideradas abusivas.
3. – É inaplicável a TR, já que a mesma constitui indexador para o mercado financeiro de títulos e valores mobiliários, devendo ser utilizado o INPC, visto que reflete melhor o poder aquisitivo da moeda.
4. – Em obediência aos ditames da Lei nº 4.380/64, há de ser amortizada a dívida antes do seu reajustamento.
5. – Faz-se necessária a observância do PES e do percentual de comprometimento de renda do mutuário inicialmente pactuado, visto que constam no contrato de mútuo tais disposições.
6. – O reajuste do valor concernente ao seguro, por estar abrangido no encargo mensal, deve se limitar à variação salarial.
7. – Recurso da Caixa Econômica Federal improvido.
8. – Recurso de M. G. A. M. e cônjuge provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso da Caixa Econômica Federal e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de M. G. A. M. e cônjuge, nos termos do voto do Relator.
Rio de Janeiro, 05 de julho de 2006 (data do julgamento).
RICARDO REGUEIRA